22.8.02



O traficante Pequeno (no meio da fotomontagem) tinha um convite para a exibição do filme “Cidade de Deus”, anteontem, num cinema da Barra da Tijuca. Na entrada, ele foi preso pela polícia, que aguardava a presença de algum meliante. Um dos principais personagens do filme é o traficante Zé Pequeno, uma espécie de precursor do Elias Maluco pela ruindade. Coincidência ou jogada de marketing? Os produtores do filme disseram que não tinham controle sobre os convites, que poderiam pular de mão em mão. O diretor, Fernando Meireles, o mesmo do bom “Domésticas” (pra fazer um filme sobre uma favela foi um pulo), disse que pediu permissão para os traficantes da favela para rodar o filme. Depois, desmentiu. O acerto teria sido feito com a associação de moradores. Ora, se até o Spike Lee pediu pro traficante rodar um clipe do Michael Jakson... E se o tal do Pequeno esperasse até 30 de agosto, quando “Cidade de Deus” estréia nos cinemas, poderia ir mais tranqüilo.

Vi o filme há algumas semanas, no Sesc Flamengo. A exibição – talvez a primeira em terras cariocas depois de um passeio pelo Festival de Cannes, onde não concorreu mas agradou – fechou um debate sobre violência, pobreza, essas coisas. Cheguei no meio de uma boca livre de intelecutalóides que inverteram os versos titânicos. “A gente não quer só arte, a gente quer comida”. Antes da exibição, a co-diretora Kátia Lund deu um número de telefone para quem quisesse levar o filme para ser exibido em sua “comunidade”, o que para aquela gente queria dizer “na favela mais perto de suas confortáveis casas”. Muita gente engajada deve ter anotado num pedaço de papel de seda que mais tarde acabou virando um baseado.

No filme, baseado (ops, de novo!) no livro do “favelólogo” Paulo Lins, o garoto Buscapé conta a história dos primeiros criminosos da Cidade de Deus, conjunto habitacional “afavelado” e afastado do resto da cidade. Buscapé, andando sempre na fronteira entre vida bandida e a honestidade, acaba presenciando e clicando como fotógrafo de um jornal o início do crime organizado no Rio. É um mergulho profundo na violência urbana, suavizado pelas pitadas de humor e até por um duvidoso romantismo bandido. Praticantes de kama sutra, paulistas e jornalistas são alvos de belas sacaneadas. Kátia Lund, a amiga dos traficantes, usa bem a linguagem de videoclip e num final meio “Meninos da Rua Paulo” dos dias de hoje presenteia os fãs do Rappa.

P.S. – Vejam só outra pequena coincidência a respeito do filme. Antes de pegar o metrô da cidade pro Flamengo, comprei um guaraná num vendedor ambulante. Quando cheguei perto, ouvi um sujeito falando pra outro: “hoje quando chegar em casa vou meter no cu da minha mulher. Vai ser no cu porque a buceta tá muito larga”. A finesse da finesse. Durante “Cidade de Deus”, uma mulher em frente ao tanque de roupa ensina pra outra: “aquece uma banana e antes dele meter enfia lá. Dá um tesão...”. Anotaram, mulheres?