28.3.02

BIG BROTHER MENDIGO

Apesar de ser meio longo pro blog, faço questão de copiar o relato do repórter Antônio Werneck, do Grobo, que passou uma noite no Hotel Popular da estação de trens da Central do Brasil. O lugar serve para mendigos e trabalhadores paupérrimos passarem a noite por 1 real, com direito a cama, banho e café da manhã. Se bem que no primeiro dia faltou manteiga pro pão. Mero detalhe. Pro Garotinho o que importa é pão e circo.

Aposto que se instalassem câmeras lá sairia algo muito mais interessante do que esse bando de gente vazia e tola do Big Brother.

Música alta, sono difícil
Na fila à espera de uma vaga na primeira noite do Hotel Popular, na Central do Brasil, manter distância da pessoa ao lado é quase uma regra. Um senhor de boné, roupas simples, se revolta com um outro pelo simples fato de o desconhecido ter tocado em seu braço.
— Tira a mão, meu irmão. Vai procurar sua turma. Você é mulher, é?
O outro, assustado, fica em silêncio.
O senhor negro, de 75 anos presumíveis, fala sozinho, mas alto o suficiente para chamar a atenção de quem está próximo:
— Na década de 40, os malandros que perdiam tudo no jogo iam para uma hospedaria na Lapa. Por uns trocados, dormiam num banco comprido.
Na Central, entre os que esperam na fila, a maioria é de aposentados que fazem biscates e de trabalhadores da economia informal. Com uma grande bolsa, um angolano sem carteira de trabalhou ou identidade é orientado a sair da fila. Quem passa apressado pelo lugar fica curioso ao ver as pessoas esperando e pergunta do que se trata.
— Um real? Pode levar mulher? — pergunta um rapaz.
Com uma hora de atraso, a fila começa a andar. Ao entrarem, todos são entrevistados por funcionários do governo. Em seguida recebem a chave com o número do quarto e pegam seu kit.
Os quartos ficam no andar de cima, num grande corredor. Como os elevadores não estão funcionando, monitores ajudam os mais velhos a subir as escadas. Maria Gomes da Silva, de 106 anos, é ajudada ainda pela filha, Kátia da Costa Jumbeba. As duas moram em Itaguaí, mas a filha leva a mãe para o trabalho, no Centro do Rio, todos os dias.
— Não posso deixar minha mãe sozinha em casa — diz Kátia.
A luz forte do corredor atrapalha o sono e ajuda a esquentar o ambiente. Alguém pede que diminuam a iluminação. Uma parte das lâmpadas é desligada, mas o ambiente permanece iluminado.
No silêncio repentino do hotel, o barulho vem de outro lugar: a gare da Central do Brasil. De 15 em 15 minutos, um sinal agudo (semelhante ao som que antecipa as informações nos aeroportos) invade o hotel, com a voz do locutor. Nos intervalos, música ambiente. Alta.
— Confirmando: trem com partida para Japeri plataforma oito, linha G. Repetindo: Japeri, plataforma oito, linha G — diz o locutor da Central do Brasil.
O governador Anthony Garotinho e a primeira-dama Rosinha Matheus aparecem para uma visita por volta de meia-noite.
Um senhor tosse. Uma tosse interminável. Em outro quarto, alguém parece cair sucessivamente da cama. E ronco, muito ronco atravessa a madrugada. Quem tem sono leve não consegue dormir. Músicas de Roberto Carlos e Carlos Gardel, do sistema de som da Central, chegam aos ouvidos dos hóspedes. As 5h30m, o locutor da estação parece gritar dentro do hotel:
— Bom dia! Muita paz, saúde e alegria para todos!
O corpo ainda dói às 6h30m, quando a primeira turma segue para o café da manhã. Quem ainda dorme é acordado pelos monitores. Os hóspedes, porém, parecem satisfeitos ao deixar o hotel. (A.W.)


Esse relato lembra um pouco as matérias da melhor revista que o Brasil já teve (depois da Status), a Realidade.