6.10.03

A vela

E tem esta vela no nosso quarto. Eu sei que é para matar mosquitos, mas não posso deixar de pensar que também seja o sinal de um rito que praticamos sem saber ao certo.

Ou colocaram a vela ali para saudar um morto ou colocaram a vela ali para celebrar a vida.

Entro no quarto e a vejo dormingo. A vela no chão, ao meu lado. Fixo o olhar na chama. Um gato persegue uma sombra na parede. Chego perto dela e coloco meu rosto bem perto, para me certificar de que dorme e não morre a mulher.

Dorme. Sonha. Cheira bem.

Enquanto eu, insone, ando pela casa qual uma assombração que a vela não espanta.

Há no espírito centenas de milhares de palavras que a vela não queima. E uma tristeza inexplicável, que a vela não faz arder senão na pele - chaga misteriosa.

Vou dormir. A barriga para cima, vou cruzar os braços sobre o peito. Vou fechar os olhos. O cheiro das flores começa a me incomodar. Quem chora lá longe?

Quando acordar, sei que a vela estará lá ainda, queimando a cera que espanta os mosquitos. A pele dela continuará linda, cheirosa e limpa dos ferrões. Ao lado, talvez eu desperte de meus delírios de morte.


Não é uma ternura essa menage à trois que o Polzonoff descreveu?