13.2.06



Tinha até cego na torcida do América

Ontem tive a experiência mais bizarra em um estádio de futebol: assisti à final da Taça Guanabara, entre Botafogo e América na torcida americana. Indo para o Maracanã lembrava da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1986, entre América e São Paulo, quando o Maraca ficou completamente lotado por torcedores de todos os times do Rio. O América empatou em 1 a 1 e foi eliminado, já que perdera a partida de ida no Morumbi por 1 a 0. 100 mil pessoas não paravam de gritar "saaaangueeee", o placar eletrônico piscava anunciando o Baile do Diabo, policiais jogaram no chão e pisaram numa bandeira do São Paulo. Voltei à realidade quando, já perto do estádio, um botafoguense gritou "sangue de cazuza". Sim, estava com a camisa rubra, que eu nunca imaginei que fosse usar no Maracanã, apenas nas minhas discotecagens bregas. Assim como eu, também estavam paramentados de tal maneira boa parte dos meus colegas de missão oligofrênicos, a maioria flamenguista.

Achei que o anel das arquibancadas ficasse dividido meio a meio. Pura ingenuidade minha. A cachorrada tomou 3/4 do espaço. Mesmo assim, aquela história do Nelson Rodrigues sobre os tricolores vivos que saiam de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas para torcer pelo Fluminense no Maracanã serve mesmo é para a torcida americana. As arquibancadas pareciam postos do INSS. E não era só velhinho não. Tinha muita velhinha que largou o crochê e o programa do Raul Gil naquela tarde de tempo ruim. Devia ter gente que acompanhou todos os sete títulos estaduais do América, sendo que o primeiro foi em 1913.

Mas nenhuma presença ali pôde ser comparada a de um cego. Óculos escuros, bengala, ele subia as escadas da arquibancada amparado por um acompanhante. Nem radinho de pilha ele usava. Veio pra sentir o jogo.

Outra peculiaridade da torcida americana é a presença da charanga, bandinha que toca sucessos de carnaval e afins. Que eu saiba, além do América, só o Bangu também tem charanga. O Flamengo também tinha, mas foi substituída por outro grupo, o de extermínio. Mas o som da charanga era abafado pelas cornetas dos torcedores, sopradas toda vez que o Botafogo tinha a posse de bola. Ironicamente, na hora do terceiro gol alvinegro, que matou de vez o América, a charanga tocava Pelados em Santos, dos mortos dos Mamonas Assassinas.

Na derrota ou na vitória seria fácil distinguir quem ali torcia realmente pro América. O verdadeiro americano ficou com cara de bunda, chorou, sentou desolado. Consolei uma amiga que, não feliz em ser gótica, ainda torce pro América. Acabei fazendo o mesmo com o arrasado José Trajano.

Na saída, a provação. Do lado de fora do Maracanã, éramos meia dúzia de "americanos" andando na direção contrária da horda alvinegra, sendo sacaneados por causa de um time pelo qual não torcemos. Respondi gritando "Fogão, geladeira, microondas". Um típico alvinegro, que há quase dez anos não ganha título algum, desabafava: "botamos um OB alvinegro no América e o sangue acabou".